O esporte está se tornando cada vez mais presente na vida das pessoas, especialmente das crianças e dos jovens. Segundo Nunomura e Tsukamoto (2005), a prática esportiva, quando orientada de forma adequada, contribui para o desenvolvimento em diversas áreas, como social, cognitiva, afetiva, física e motora. Oliveira, Arruda e Lopes (2007) complementam que incentivar o esporte na infância e adolescência aumenta a probabilidade de que essas crianças e adolescentes se tornem indivíduos ativos. Portanto, para que as crianças possam se dedicar ao esporte a longo prazo, chegando ao alto rendimento, é fundamental que suas experiências iniciais sejam positivas tanto em termos motores quanto esportivos.
Silva et al. (2001) ressaltam a crescente importância social do esporte, influenciada pela mídia e pelo aumento significativo nas competições em um cenário esportivo cada vez mais especializado. Isso tem levado a novas demandas na preparação, incentivando a especialização precoce. No entanto, essa busca por sucesso rápido tem levado ao abandono das práticas recomendadas pelos centros acadêmicos em relação ao momento certo para especialização. Contrariamente às necessidades das crianças, essa abordagem não considera a importância da variedade de experiências na fase inicial para expandir seu repertório motor e ajudá-las a escolher uma modalidade de interesse.
Estudos mostraram que a especialização precoce está se tornando mais comum do que o recomendado pela literatura e pelos próprios educadores físicos (ARENA, BÖHME, 2000 e SILVA et al., 2001). Esse fenômeno, denominado "especialização precoce", transforma as crianças em objetos de investimento estratégico, capital humano e mercadorias, conforme apontado por Vidal (2006). Esta tendência é observada principalmente em escolinhas de iniciação esportiva, embora nem todas tenham esse objetivo.
A questão da participação das crianças no esporte é complexa, envolvendo não apenas aspectos biológicos, mas também contextos socioculturais. Professores, técnicos, pais, amigos e a pressão por sucesso e status desempenham um papel significativo (Darido e Farinha, 1995). A confusão entre iniciação esportiva e especialização precoce é comum. Moreira (2003) argumenta que a iniciação esportiva pode acontecer em qualquer fase, enquanto a especialização precoce talvez nem seja necessária. Portanto, a compreensão precisa desses termos é crucial para o futuro esportivo das crianças.
Diante dessa problemática, é essencial conduzir estudos para diferenciar e entender melhor as terminologias envolvidas. Este estudo tem como objetivo analisar os conceitos e objetivos tanto da iniciação esportiva quanto da especialização esportiva.
Iniciação Esportiva
A definição de iniciação esportiva é afetada por mudanças sociais, como globalização e competição na sociedade capitalista (Vidal, 2006). Apesar das variações na terminologia, Vidal conceitua iniciação esportiva como uma atividade física que oferece diversas experiências motoras e aprendizado em várias modalidades, buscando desenvolver capacidades humanas nas dimensões motoras, cultural, social, cognitiva e afetiva.
Para Barbanti (1979), a iniciação esportiva é a preparação inicial para o treinamento esportivo, permitindo que as crianças tenham experiências motoras em várias atividades. Idealmente, isso deve começar aos 8-9 anos. A iniciação visa ampliar o repertório motor da criança e promover o prazer pela prática esportiva (Nunomura e Tsukamoto, 2005).
Existem diferentes abordagens para a iniciação esportiva, incluindo práticas educacionais e a formação de futuros atletas (Marques e Kuroda, 2000). A iniciação busca promover o desenvolvimento corporal, psíquico e social, aumentando a autovalorização e autoestima (Kunz, 2001). De acordo com Paes (2006), a iniciação deve ser diversificada, começando o mais cedo possível para proporcionar benefícios à criança, mas uma má iniciação pode prejudicar o sucesso futuro no esporte de alto rendimento (Vidal, 2006).
Balbino (2001) destaca que o objetivo da iniciação esportiva é preparar a criança para se tornar um atleta de alto rendimento, embora Paes (2006) enfatize que a verdadeira meta da iniciação esportiva deve ser contribuir para a formação cidadã, podendo ou não levar ao status de atleta.
Para entender melhor as diferenças entre iniciação esportiva e especialização esportiva precoce, é fundamental analisar os conceitos e objetivos desses processos na formação esportiva (Balbino, 2001). É importante conduzir estudos que contribuam para uma compreensão mais clara dessas terminologias, pois isso terá um impacto significativo na prática esportiva futura das crianças.
Conforme Nascimento (2005), a iniciação esportiva deve ser conduzida de maneira abrangente, buscando oferecer uma ampla gama de experiências motoras e vivências variadas na modalidade, antes de iniciar a especialização esportiva.
Arena e Böhme (2000) indicam que a fase dos 7 aos 12-13 anos é ideal para a iniciação e formação básica geral. Este período se aproxima dos resultados de Silva et al. (2001), que sugerem a faixa dos 8-12 anos para esportes individuais e 10-12 anos para modalidades coletivas. No entanto, estudos mostram que em algumas modalidades, como futsal, ginástica, judô, natação e tênis, a prática específica começa em idades mais precoces, geralmente 1-2 anos antes do recomendado pela literatura. Outras federações, como basquetebol, handebol, voleibol e atletismo, aderem às idades apropriadas para o início da competição.
Greco (1997) propõe um sistema de formação esportiva dividido em fases sequenciais, começando pela pré-escolar (2/3 aos 6 anos) e passando pela fase universal (6 aos 12 anos), orientação (12 aos 14 anos), direção (14 aos 16 anos), especialização (16 aos 18 anos), aproximação/integração (18 aos 21 anos) e finalmente, alto nível (a partir dos 21 anos). A fase universal, de acordo com Greco, é a mais ampla, focada na iniciação esportiva, buscando desenvolver todas as capacidades motoras de forma geral, com ênfase na diversão.
No contexto da especialização esportiva, Barbanti (1979) enfatiza que o sucesso nessa etapa depende de uma boa formação nas fases anteriores. Weineck (2003) argumenta que, em diversos esportes, não é possível alcançar alto desempenho sem uma especialização orientada e oportuna. Ele observa que atletas que começam mais tarde têm perfis de desempenho diversos, enquanto os melhores em esportes que exigem alta coordenação e técnica avançada geralmente começam na infância.
Nascimento (2005) destaca que a especialização esportiva deve ser fundamentada nas Ciências do Esporte, utilizando princípios didáticos e metodológicos que promovam o desenvolvimento da personalidade do jovem e preparem para o futuro. Paes (2006) adiciona que é crucial considerar o processo natural de crescimento e desenvolvimento da criança, ajustando a abordagem pedagógica de acordo com suas características e sua fase sensível à aquisição de habilidades motoras específicas.
Kunz (2001) define a especialização esportiva como um processo de treinamento de longo prazo, organizado e planejado, com pelo menos três sessões semanais. Esta fase visa ao aumento gradual do desempenho, com participação regular em competições. Para Nunomura e Tsukamoto (2005), a especialização esportiva é a etapa em que o foco se concentra na prática especializada de uma única modalidade, visando a alcançar resultados máximos.
Greco (1997) considera a especialização como um período em que a modalidade escolhida é enfatizada, aprimorando as habilidades técnicas e táticas, desenvolvendo comportamentos táticos de alto nível competitivo e aumentando a participação em competições. Ferreira (2008) define essa fase como a prática sistemática de atividades cuidadosamente planejadas e orientadas, visando tornar os movimentos cada vez mais consistentes e executar técnicas específicas com dinamismo, precisão, eficácia e economia de esforço.
Especialização Precoce
A especialização esportiva precoce, conforme discutida por Ramos e Neves (2008, p. 1), refere-se ao processo em que crianças se especializam em uma modalidade esportiva mais cedo do que o considerado apropriado. Isso implica numa adaptação prematura e antecipada ao ambiente esportivo, implicando na antecipação de etapas de desenvolvimento (BALBINO, 2001).
É crucial notar que a decisão de alguns treinadores e pais de limitar uma criança a uma única modalidade esportiva pode restringir suas oportunidades de se tornar um atleta de alto rendimento, apenas naquela modalidade. Em contraste, uma base generalizada de aprendizagens esportivas oferece uma variedade maior de opções não apenas para carreiras esportivas, mas também para uma prática esportiva permanente como parte de um estilo de vida ativo (KREBS, 2001).
Nesse mesmo contexto, Nascimento (2005) destaca que a especialização precoce pode levar a uma definição prematura de uma modalidade específica ou de uma posição particular, limitando assim outras experiências e movimentos. Esse cenário pode impossibilitar que a criança explore outras atividades e, portanto, a especialização precoce não garante o sucesso futuro no esporte.
Nunomura, Carrara e Tsukamoto (2010) desaconselham a especialização precoce, uma vez que acarreta uma série de consequências negativas a longo prazo para os praticantes, incluindo redução do repertório motor, aumento das lesões, prejuízos no desenvolvimento geral da criança, efeitos psicológicos adversos como o "burnout", desmotivação e impactos negativos na formação educacional.
Em conclusão, há um consenso sobre a importância da prática de atividades físicas para o desenvolvimento completo das crianças, abrangendo aspectos sociais, cognitivos, afetivos, físicos e motores. Tanto a iniciação esportiva quanto a especialização esportiva são vistas como etapas e processos, e ainda existe confusão na definição dos conceitos, devido à variedade de ações sob diferentes denominações. Observa-se uma tendência para a especialização esportiva ocorrer abaixo da idade recomendada pela literatura, destacando a necessidade de professores de Educação Física bem preparados que possam considerar o desenvolvimento individual da criança, promovendo uma formação esportiva que respeite suas necessidades e singularidades. Portanto, é crucial que os profissionais de educação física adotem um senso crítico ao decidir o momento ideal para iniciar e especializar uma criança no esporte, levando em consideração as vantagens e desvantagens tanto da iniciação quanto da especialização esportiva na vida da criança. O objetivo é que esses conceitos sejam aplicados na prática, promovendo um ambiente esportivo centrado no indivíduo e enfocando os valores positivos da prática esportiva, não apenas buscando o alto rendimento.
Referências
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